segunda-feira, 14 de março de 2011

Vitória ou derrota?


*Dom Pedro José Conti


    Em tempos de Madalenas, Santos Graals e Códigos mais ou menos secretos, poucos falam da cruz. Muitos falam de Jesus, mas poucos do Crucificado. A cruz, em todas as suas variantes, virou bijuteria, enfeite. Houve épocas, porém, que pintar ou esculpir um crucifixo ou a própria cena da hora da morte de Cristo na Cruz, com Maria e João ao seu lado, era verdadeira obra de arte, era Evangelho vivo, mensagem para todos os cristãos.

    Nada de fugir das figuras; ao contrário, a cena do Calvário era justamente para ser contemplada, admirada, rezada. Quantos Santos e Santas “conversaram” com uma imagem de Cristo na Cruz; quiseram ser crucificados com Ele, suplicaram para experimentar um pouco do amor e dos sofrimentos de Jesus. Pediram para reconhecê-lo nos crucificados do seu tempo.
    O mais famoso crucifixo “falante” talvez seja o de São Damião, que “falou” a São Francisco para reformar à Igreja. Pode até não ter falado bem aos ouvidos do santo, mas falou, com certeza, ao seu coração porque mudou, radicalmente, a sua vida.

    Por meio de um quadro, ou de uma imagem, o artista expressa a sua fé, a sua esperança, o seu sofrimento. Em uma foto, são as pessoas que fazem pose; elas decidem como vão ficar. No quadro, não. É o pintor que decide quem e como vai ser pintado, quem deve chorar e quem deve ficar sorrindo. É ele que decide se Jesus na cruz deve aparecer atormentado pelos sofrimentos ou na postura de um rei no seu trono. Essa é a maravilha da arte. É assim que cada época manifesta a sua aproximação ao Cristo na cruz.

    Antes, porém, de pintar ou esculpir, cada artista deve responder a uma pergunta: a cruz é vitória ou derrota? Muitos quiseram apresentar os indizíveis tormentos de Jesus. São crucifixos acabrunhados. Outras vezes prevaleceu a dignidade do sofrimento, a doação, a entrega ao Pai. Em outra, os artistas apresentaram o Cristo de braços abertos na cruz na atitude de quem acolhe a humanidade perdida. Tem quadros de Crucifixos sem pregos e sem sangue; o Cristo é um rei. Em algumas representações, do lado traspassado de Jesus sai um verdadeiro jorro de sangue, recolhido pelos anjos ou correndo pelo chão, para lavar o mundo dos seus pecados. Poderíamos continuar, tão fecunda foi a arte ao longo dos séculos. Mas a resposta, também se expressa em formas diversas, sempre foi a mesma: o Cristo é o vencedor da morte, a hora do sofrimento é a hora do triunfo do amor. Nunca, jamais, é a hora do desespero.

    Hoje a produção industrial oferece crucifixos em série, todos iguais, bem baratos. Popularizou-se o crucifixo, mas perdeu-se a arte. Se depois ninguém conta a história de Jesus ou ninguém reza naquela casa, o crucifixo vira amuleto ou será substituído por um ator, uma modelo ou pelo político mandatário de turno. Que pena!

    Temos pouca arte também nas nossas Igrejas. Onde estão os artistas de hoje para dizer ao povo o que o povo sente, mas não consegue expressar? Sempre foi grande a missão dos artistas e se torna maior ainda quando revela a piedade cristã, a fé popular, os sentimentos mais profundos. 
    Não é o Crucifixo que não “fala” mais, somos nós que esquecemos as suas palavras ou não queremos mais ouví-las.

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá (AP)

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