terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Compasso Igreja



Quando a Conferência de Aparecida, que reuniu os bispos latino-americanos e do Caribe, definiu as grandes cidades como laboratórios de uma cultura complexa e plural onde coexistem binômios que desafiam a (Igreja) diariamente, estava desenhando um quadro desafiador para os cristãos. Para entender como ajudar os habitantes de uma grande cidade a fazer uma experiência de Deus, recentemente a Igreja no Brasil se debruçou sobre o livro de Jonas e refletiu sobre essa questão. O conteúdo do livro, mais do que um enfoque histórico, traz um forte simbolismo cultural e teológico com indicações interessantes para a pastoral urbana.
 
O cenário é Nínive, cidade considerada hostil a Deus. Nínive era a famosa capital do império assírio e atraía muitas pessoas para os vários templos dedicados a diversos deuses. Portanto, era uma cidade grande, com uma realidade sociocultural complexa. A partir da ação de Jonas, Deus decide reinventar a história dessa cidade, desistindo de castigá-la pelo mau comportamento social e religioso de seus habitantes. A condição para isso era que os ninivitas se arrependessem do mal que haviam praticado. Do rei ao menor do povo, todos se abrem à proposta de conversão e, diante de tamanha manifestação de fé, Deus poupa a cidade da destruição.

A experiência de Jonas com o povo de Nínive serve de inspiração para uma maior abertura da Igreja ao mundo urbano. Como em Nínive, nas grandes cidades existem milhões de pessoas esperando conhecer e experimentar o amor de Deus. Também hoje, a linguagem para esse anúncio não poderá prescindir da coragem e da ousadia dos profetas, que gritam a experiência de Deus que fazem.

Como aconteceu com Jonas, pode ser que muitos profetas de hoje sintam o desejo de fugir das questões urgentes da evangelização ou se deixem levar por sentimentos de ciúmes e julgamentos, ou que o risco da indiferença religiosa, e até mesmo da perseguição, amorteça o impulso profético. Pode ser ainda que haja o sentimento de solidão no enfrentamento de barreiras aparentemente intransponíveis. Mas, como também aconteceu com o profeta de Nínive, é Deus quem dá a coragem e recoloca os seus porta-vozes na missão que ele confia.

O próprio Deus é a origem de toda profecia e sempre encontra um jeito de estar ao lado e de fortalecer quem ele deseja que trabalhe em seu projeto. Não por acaso ele foi à procura de Jonas para convocá-lo a levantar-se e ir a Nínive proclamar a sua mensagem, depois de o profeta mostrar-se indiferente a esse mandado e ter desviado sua rota de viagem para outra cidade.

Há quem afirme que ser profeta, hoje, como Jonas, é ser alguém capaz de construir relacionamentos apoiados no verdadeiro valor do homem como imagem e semelhança de Deus; é ser alguém que permite que o Reino de Deus interaja com a história pessoal e social de cada pessoa; é ser sinal de uma Igreja que ama e por isso acolhe, dialoga, anuncia, propõe a conversão e renova estruturas sociais, denunciando a maldade através de um estilo de vida centrado na gratuidade do amor.

O texto de Aparecida convida a contemplar o Deus da vida também nos ambientes urbanos. Sem dúvida o projeto de Deus continua valendo para a cidade grande. Sua realização também depende de quem quiser arriscar e atualizar a experiência de Jonas. Nínive hoje pode ser a cidade, o bairro, a rua, o local de trabalho onde cada um de nós está. Esse é o lugar de onde nasce toda transformação.

*O autor é sacerdote, especialista em Espiritualidade e Teologia Moral.

Profetas nas grandes cidades
Por: Ricardo Pinto

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